Se todos os 194 milhões de brasileiros (estimativa do IBGE, 2011) tivessem apenas um único um aparelho de celular, ainda sobrariam 75 milhões de telefones à disposição para as próximas gerações. A quantidade de linhas ativas na telefonia móvel no Brasil já ultrapassou há tempo o número de habitantes.
De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o País fechou maio de 2013 com mais de 265,52 milhões de linhas e teledensidade de 134,24 acessos por 100 habitantes. No mesmo mês, foram registradas 974,29 mil novas habilitações, o que representa um crescimento de 0,37% em relação ao mês anterior. Os números podem levar a uma falsa conclusão de que todos os brasileiros são usuários da telefonia móvel. Mas enquanto alguns são clientes de mais de uma operadora, outros, embora poucos, querem distância do celular.
O professor do Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Carlos Costa Dantas, 75 anos, nunca teve e, por mais que a família e amigos reclamem, não pretende ter um telefone móvel. “Eu nunca tive a necessidade de incluir um celular na minha vida, talvez pelo tipo de atividade que exerço, que exige muita concentração. Tenho sorte por isso. Para muitos profissionais, como jornalistas e taxistas, o celular se transformou numa ferramenta de trabalho. Aliás, admiro a tecnologia e as possibilidades que os aparelhos oferecerem, como enviar fotos e e-mails”, afirma o professor. No início deste ano, ele consultou um amigo para saber quanto custa um celular. A ideia era apenas utilizá-lo para acessar a internet, fazer fotos e vídeos. “Quando ele me informou que precisava ser cliente de uma operadora, desisti na hora. Não quero correr o risco de ter uma algema eletrônica”, brincou.
“Olhe a minha cara de alegria ao atender esse telefone”. (Ilustração: Keziah Costa/NE10)
“Olhe a minha cara de alegria ao atender esse telefone”. (Ilustração: Keziah Costa/NE10)
Questionado sobre qual é a reação das pessoas quando diz que não tem celular, Carlos Dantas disse que é visto como um “ser curioso”. “Muitos se espantam, outros perguntam o motivo. Uma dificuldade é fazer cadastros em bancos e outros estabelecimentos. O número do celular virou quesito obrigatório, assim como o endereço residencial. Quando me pedem o número, sempre respondo que vou ficar devendo. No futuro, corro o risco de ter o cadastro negado”, diz, aos risos. Outra dificuldade apontada pelo professor é que hoje as secretárias de médicos e dentistas, por exemplo, costumam confirmar consultas ligando apenas para o celular. “O telefone fixo foi esquecido. Nesses casos, preciso repassar o telefone da minha namorada. Ela confirma a consulta e depois me informa”, conta.
As “queixas” de Carlos Dantas são insuficientes para motivá-lo a comprar um celular. “Li recentemente um artigo de Frei Betto onde ele comenta que os meios de comunicação nunca foram tão eficientes como hoje, porém o número de pessoas que reclamam de solidão só faz aumentar. Telefone foi criado para recados, não pode substituir um abraço”, afirma.
Mensagem compartilhada pelas redes sociais mostra que tem muita gente ainda sente falta da era pré-celular (Reprodução)
Mensagem compartilhada pelas redes sociais mostra que tem muita gente ainda sente falta da era pré-celular (Reprodução)
Pessoas invisíveis
O psiquiatra Sílvio Celso Ferreira, 67 anos, também acredita que o celular e as outras tecnologias, se mal utilizadas, podem afastar as pessoas. “As pessoas passam cada vez mais tempo no telefone ou no computador e, muitas vezes, perdem a chance de receber o calor humano, de olhar nos olhos”, afirma o médico. Ele ressalta que não tem celular porque não precisa, mas admira a telefonia móvel, assim como a internet. “Uso a internet para ler notícias, e-mails e jogar xadrez, mas não troco uma boa conversa pessoalmente por um bate-papo no computador”.
O médico critica as pessoas que insistem em falar ao celular em restaurantes. “A pessoa ao lado se torna invisível. Também acho inconveniente quando estou conversando com alguém e somos interrompidos por um toque de celular”, afirma. Como psiquiatra, ele diz que não tem necessidade de ter um aparelho “Passo o dia no consultório. As pessoas podem ligar e deixar recados com a minha secretária”.
Vera com a filha: “sinto falta dos orelhões” (Foto:Mariana Dantas/NE10)
Vera com a filha: “sinto falta dos orelhões” (Foto: Acervo Pessoal/Cortesia)
Uma vida tranquila longa do celular
Diretora de uma escola em Candeias, Jaboatão dos Guararapes, a professora Vera Maria Lins e Melo da Fonte, 63 anos, diz que não ter celular lhe traz tranquilidade. “Vejo as pessoas muito dependentes e com preocupações em excesso. Se a pessoa sai de casa e não atende a ligação, já é motivo de preocupação para quem ligou. Minha vida é muito tranquila e quero que continue assim”, afirma.
A única queixa de Vera é a falta de telefones públicos na cidade. “Os orelhões são cada vez mais raros. Estão sumindo. Disso eu sinto falta. Quando estou na rua e resolvo visitar algum amigo, por exemplo, não tenho como avisar”. E foi por esse motivo que no último Carnaval ela resolveu ceder a insistência dos filhos e levou para o Recife Antigo um celular emprestado. “Como costumo circular, não teria outra forma de nos encontrarmos. Mas é muito raro isso acontecer”, explicou.
A filha de Vera, a também professora Ana Maria da Fonte, de 29 anos, diz que respeita a decisão da mãe. “Ela não gosta de falar ao telefone. Já me conformei. Por outro lado, ela sempre avisa para onde vai, o que me deixa mais tranquila”.